Então, o que fazer?
O primeiro passo era parecer
confiante. Um menino de 13 anos, sozinho, na Lapa, numa hora daquelas,
assustado e mancado, não era boa coisa. Isso ele aprendera desde cedo: parecer
um alvo fácil era o primeiro passo para se tornar um alvo fácil.
Ele precisava se recompor.
Esquecer a sentença de morte que pairava sobre sua cabeça. Aquela carta tinha
que ser verdadeira. Ele era bruxo. Tinha que ser bruxo.
A
resenha abaixo contém spoilers. Se você não quiser sabê-los, leia somente até o
nome
SPOILERS!!!
Hugo
Escarlate é um jovem bruxo de 13 anos que descobriu no dia de seu aniversário
ser um bruxo. Até aí, a única referência na sua vida de bruxaria, foi o apelido
que o chefe do tráfico da morro Dona Marta, Rio de Janeiro, onde vivia, lhe
deu. Morando no contêiner abandonado, com a avó e a mãe, Hugo, que na realidade
se chamava Idá Aláàfin Abiodun (isso
mesmo, leitores), vivia passando por dificuldades não só para sobreviver com
sua família, mas para fugir da violência do morro e ser educado. A única paixão
de Hugo era a leitura, onde encontrava uma válvula de escape para sua
realidade. Mas a escola não era algo que gostava muito, isso porque a qualidade
do ensino não era das melhores.
Isso
não é algo que nos surpreenda de todo. A educação no Brasil atual também tem
muitos problemas, mas a época de Hugo era muito pior. Estamos falando do final
do século XX, 1997 para ser mais exata. Podemos dizer que as dificuldades eram
muito maiores. Hugo queria crescer e ser muito inteligente, ficar rico e sair
da favela com a sua família, mas o ensino não ajudava muito. Então ele resolveu
se envolver com o tráfico, onde poderia ganhar dinheiro rápido.
Hugo,
mesmo antes de trabalhar diretamente com o tráfico, já tinha alguns inimigos,
ou melhor, um, mas que por si só era um problema que equivalia a muitos.
Caiçara, como era conhecido, era o grande responsável pelas surras ou piadas
que o menino sofria. O ódio era algo que Hugo estava acostumado a sentir e
Caiçara era o grande foco desse sentimento.
Hugo
é um menino que aprendeu a atacar antes de se defender. Ele não leva desaforo
para casa e isso vai ser uma mágica registrada desse personagem ao longo do
livro, e acredito que de toda a série.
Essa
não é a história de um menino simples, que se vê com um grande poder e se torna
o herói ideal. Hugo pode ser muitas coisas, mas um exemplo de herói ele não é.
Hugo é humano. As condições em que passou a maior parte da sua vido o tornaram
desconfiado de tudo e de todas. A única coisa que valoriza muito, além de sua
muito querida avó, é o poder. E isso Hugo vai encontrar de sobra na Korkovado. Porque, vamos concordar, uma
escola de bruxaria, como tantos feitiços perigosos e poderosos é um prato cheio
para o poder.
Mas
estou falando de Hugo e não falei muita coisa sobre a história em si, o
ambiente. Não se preocupem, nada do acima escrito é algo muito surpreendente.
Tudo isso vemos logo no início do livro. A descoberta de Hugo sobre ser bruxo,
sua ida para a escola e sua sede de poder, não são surpresas.
Aliás
o grande trunfo da história como o todo é, além de Hugo como protagonista, a
própria contextualização da bruxaria no Brasil com a história do país. Sério,
você começa a se sentir mais interessado na história do país como o que vai
descobrindo com a leitura. Então vamos por partes, a fim de que vocês entendam
o que quero dizer.
O
Brasil é enorme, um país continental, e apenas uma escola não daria certo.
Então são cinco escolas, cada uma numa região. A de Hugo é a do sudeste e fica
embaixo da estátua do Cristo Redentor. (Maravilhosa). O calendário letivo segue
o calendário de aulas do Brasil e não o da Inglaterra ou dos Estados Unidos. E
os feitiços, gente (suspiros), são em tupi a maior parte. Quero aprender tupi!
E
isso é só o começo, para vocês ficarem com gostinho de quero mais. A autora
Renata Ventura trouxe com esse livro o Brasil que nós conhecemos misturado com
o mundo bruxo que aprendemos a amar em Harry Potter, e isso de forma tão
cativante, realista e o mesmo tempo brutal, que não tem como não se apaixonar
pela história.
Mas
voltando a história, Hugo parte para a escola, após receber sua carta e, em
meio a um conflito na favela, vê isso como uma oportunidade de se livrar das
confusões em que se meteu, mesmo que de início não acredite muito nessa história.
Quando
descobre não era brincadeira, Hugo se esconde sobre esse novo nome e tenta se
misturar a multidão de bruxos jovens que terá como colegas na escola, esta
chamada Nossa Senhora do Korkovado.
Isso mesmo. Sincretismo religioso é parte do Brasil e não poderia faltar nessa
história. Tem bruxo católico, bruxo espírita, bruxo evangélico...
A
escola tem problemas comuns que uma escola brasileira também tem e em muitos
momentos isso tudo irrita demais o Hugo. Mas a escola também tem coisas muito
legais e pessoas também muito interessantes, desde a excêntrica diretora da
escola, até os pixies. Este grupo é formado por quatro alunos já avançados da
escola, que são animados, promovem discussões interessantes e tentam mudar
alguns parâmetros muito europeus da
escola.
Eles
são Capí, Caimana, Viny e Índio, todos do mesmo ano e amigos de longa data. Hugo
sente grande admiração por todos eles, além de uma confiança muito forte em
Capí, mesmo que com algumas reservas.
Aliás
esses personagens são muito bons. De alguma forma você sempre se identifica com
algum deles: o gentil e prestativo Capí, o revolucionário Viny, o correto e
sério Índio, ou a forte e destemida Caimana. Juntos eles são um grupo e tanto e
se envolvem em muitas confusões com o conselho e os Anjos. Aliás, os anjos são
um grupo metido elite da escola, que age sempre com apoio do conselho.
O
conselho é formado por três bruxos, dois homens e uma mulher. A mulher se chama
Dalila e é a mãe do líder dos Anjos, Abel. Muitos dos enfrentamentos dos pixies
e de Hugo ao longo da história são com esse personagem.
Esse
é um esboço geral da história e agora vamos aos SPOILERS!!!
O
livro despertou muitos sentimentos em mim. Tinha hora que eu odiava o Hugo e me
ressentia de a história ser sempre contada por ele. A natureza impulsiva dele e
a síndrome de perseguição que ele muitas vezes apresentava chegava a ser
irritante. Ele adora um conflito. Primeiro contribui para a expulsão de um
professor; não vai com a cara do Índio e sempre tem um bate-boca com ele. Briga
com o Abel, magoa um dos professores, enfrenta o conselho e, depois se mete
numa enrascada perigosíssima com drogas.
Mas
ao mesmo tempo, ele é o mais humano dos personagens. Nós entendemos a raiva
dele, as inseguranças (apesar de achar que ele é muito exagerado) e torcemos
para que ele consiga resolver as coisas no final. Por tudo que ele tenha feito,
como vender cocaína na escola para manter a mãe viva na favela e enganar os
pixies, que o acolheram no grupo, fica difícil querer ver ele preso. Ou mesmo
expulso da escola.
Gostei
muito de todos os personagens e das situações que vão sendo apresentadas no
livro. Existe uma aura de mistério sobre a vida e os antepassados de Hugo,
principalmente se repararmos no sonho que ele tem com um bruxo que foi enganado
por um homem muito poderoso e pelas falas do gênio da escola, Griô, que deixa
Hugo com a pulga atrás da orelha. Vamos descobrir mais sobre essa história
próximo ao fim do livro, quando Griô fala para Hugo que ele é descendente de
rei. Hugo, então, já ambicioso, fica animadíssimo com a história.
Outro
mistério, que nos deixa curiosos, mesmo não sendo (pelo menos aparentemente)
importante para a história, é a forma como o filho do professor Atlas, que é
muito amigo dos pixies e um dos melhores professores da escola, morreu. Só
sabemos que o professor tem culpa no caso e isso o vem atormentando a muito tempo.
Gente,
esse livro tem umas referências veladas a Harry Potter que são uma graça. Ri
muito quando começam a falar dos livros da J.K. Rowling e como os professores
reagem a isso. Outra coisa que amo e o corredor dos signos. Muito legal e ficou
ainda mais interessante com a ajuda de uma amigo meu, que me fez refletir sobre
algo que não tinha dado tanta importância. Por que Hugo NUNCA é perseguido
nesse corredor. Desculpe para quem não leu, vou explicar. No corredor dos
signos, quando você passa, o seu signo começa a te segui, te dando conselhos,
fazendo previsões astrais e atazanando seu juízo. Isso não acontece que Hugo.
Agora
tem um mistério, nem tão mistério assim, que envolve o tal monstro das quintas
e sextas-feiras. Quem conhece lendas brasileiras, desvendou rápido que bicho
era aquele. Eu demorei ainda, mas desconfiava de um dos personagens e acertei
nele. A Maria aparece apenas para o Hugo, é tímida, ninguém da escola a conhece
e ele vê ela raramente. Quando identifiquei que o tal monstro era a mula
sem-cabeça, pronto, pensei, é a Maria mesmo.
Agora
uma coisa que não desconfiava era da Dalila ser a mãe da Caimana. Como assim,
produção?! Não me conformei. E assim como Hugo, ficamos impressionados quando
descobrimos.
Esse
livro traz mistérios que são resolvidos nele mesmo, mas tem coisas que só nos
deixam mais curiosos e cheios de perguntas. Quem vai ser o vilão da história?
Como são as outras escolas? Que lugar é aquele para o qual o Hugo vai quando
entra naquela sala (entendedores, entenderão)? E o quê o Preto Velho, que só
aparece no início do livro, queria dizer com aquela conversa com o Griô sobre o
Hugo, enquanto ele ainda estava dormindo na praia?
Ansiosa
para começar a leitura do próximo livro. A aura da Korkovado me circunda desde
que terminei a leitura. É aquele tipo de história que envolve você e te faz
sentir junto com os personagens todas as impressões e sentimentos pelos quais
estão passando. Você não só quer descobrir as coisas, mas quer que tudo der
certo para os personagens.
Amei
que o Viny é bissexual. Amei a cultura brasileira e a bruxaria envolvidas.
Tenho uma relação amor-ódio com o Hugo. Quero, pelo amor de Deus, saber mais
sobre as famílias do Viny e principalmente, do Índio. Quero que o vilão apareça
e me deixe saber mais sobre quem e o quê ele é. Ou seja, tudo. Essa história é
cheia de tramas e pontas soltas, mas tenho certeza que a Renata vai nos enredar
nessa história e ir esclarecendo tudo aos poucos.
Aliás,
muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuitíssimo obrigada
pelo Hugo, pelos Pixies e pela Korkovado, Renata. O mundo ficou muito mais
alegre com eles.
E
vocês, leitores. Não percam essa história por nada!
Excelente
leitura!
Comentários
Postar um comentário