Fique Onde Está e Então Corra - John Boyne

Alfie sacudiu a cabeça.
- Estou bem – ele disse, as palavras saindo ásperas, do jeito que saíam quando Margie o acordava cedo demais.
- Então, tudo bem – respondeu o homem, dando de ombros e se virando. – Obrigado pelo serviço.
Lentamente, Alfie voltou até a caixa de engraxar e se sentou na cadeira dos clientes. Recolheu todos os panos, escovas e graxas e guardou tudo; pegou o suporte para pés e o colocou sob a tampa antes de fechar o trinco dourado. E seguida, levantou-se, saiu da King’s Cross e começou a caminhar de volta para casa.
Durante o caminho todo, pensou naquela única linhas que tinha saltado aos seus olhos no documento do hospital de East Suffolk e Ipswich.
Um única frase, escrita no meio da página, do lado esquerdo.

Summerfield, George, dizia.
Nasc.: 3/5/1887
Nº 14278




 Esta obra de John Boyne é singela e sutil sobre a infância nos tempos de guerra. Não propriamente a infância em sim, mas as perdas, os problemas, as ideias, angústias e dúvidas que enfrentam as crianças que tem entes queridos lutando.

Alfie, o personagem principal desta história, tem 9 anos. Seu pai foi lutar como voluntário no início da primeira guerra mundial, uma guerra que se iniciou no mesmo dia do aniversário de 5 anos de Alfie. Há 3 anos ele não vê o pai, e há um ano não recebe mais cartas dele, o que faz embarcar numa busca por ele. Alfie não tem amigos, sua única amiga tendo sido tirada da sua vida também por conta da guerra. Alfie é um solitário, que mora com a mãe, que passa mais tempo fora de casa, trabalhando, a fim de escaparem da miséria, do que com ele.
Existe também alguns dos mais antigos vizinhos e amigos da família, principalmente Joe e Bill. O primeiro, amigo do pai de Alfie desde criança, que agora é rejeitado por todos por ter se negado há ir para a guerra; o segundo, um idoso muito querido, que viu todos crescerem e que tem um carinho especial pela família de Alfie. A avó de Alfie por parte de pai também mora próximo à eles.

É muito tocante a forma como, narrado por Alfie, acompanhamos as mudanças mais simples de comportamento e distinção que a guerra trouxe para as famílias. Mais do que isso, os problemas familiares que vão sendo desencadeados por isso. Além disso, Alfie vai passando por um amadurecimento muito rápido. Ele não é só uma criança, ele também contribui. É o que chamariam antigamente de pequeno adulto.

E ainda existem muitos Alfies atualmente. E isso é uma das características mais importantes da história: o autor nos faz sentir empatia e reconhecer o Alfie, e suas dificuldades, na realidade atual, brasileira, ou não.

E essa empatia nos faz sentir a história desse garoto que é muito corajoso e muito mais crítico do que a maioria das pessoas. O olhar infantil que o autor dá a guerra é muito bom. As esperanças que são disseminadas entre as pessoas em relação a não haver conflito e depois os tratamentos, punições e discriminações são cometidas em nome da honra e da defesa da pátria. É como um febre e as pessoas não reparam na dor e no sofrimento que isso causa. Alfie não entende, mas não acha legal.

Alfie é meu personagem favorito, mas Joe também é. Ele aparece pouco na história e nas memórias do garoto (Alfie fica intercalando suas experiências antes e durante a guerra), mas seu papel é forte e crítico. A conversa de Alfie e Joe perto do fim do livro é muito esclarecedora sobre o papel da guerra na sociedade. Como ela a transforma e a torna intolerante.

Eu só tenho a recomendar essa história. É bem construída, te envolve, tem personagens e situações que nos prendem. É difícil não observar as reflexões feitas aos conflitos da história e remetê-las à situações ditatoriais tão amplamente observadas ao longo do século XX e ainda no século XXI. Dá a impressão de o ser humano não parece aprender com aquilo que sofre.

Essa história é linda e recomendo à todos: jovens, velhos, crianças. Não chorei, mas não tem como não se emocionar. Quero muito ler outros livros do John Boyne. Esse livro foi publicado pela Editora Seguinte em junho de 2014.

Boa leitura!

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