Norte e Sul - Elizabeth Gaskell

Margaret abriu a porta e entrou com a atitude direta, impávida e digna de sempre. Não sentia qualquer embaraço. Estava suficientemente acostumada com os hábitos sociais para lidar com isso. Ali estava alguém que viera tratar de negócios com seu pai, e, como se mostrara amável, ela estava disposta a tratá-lo com o mesmo respeito. O sr. Thornton ficara bem mais surpreso e embaraçado ao vê-la do que ela. Em vez de um religioso tranquilo de meia-idade, foi uma dama jovem que apareceu na sua frente com uma atitude franca e altiva – uma dama jovem de um tipo diferente da maioria das que estava acostumado a ver.

Margaret com certeza é bem diferente das mulheres que Thornton conhecia e que tivessem aquela idade. Mas ao longo de todo livro creio que ele percebeu que ela era até bem parecida com sua própria mãe no quesito orgulho, força e coragem.

Esse casal me lembrou de Elizabeth Bennet e Mr. Darcy, de Orgulho e Preconceito. No entanto, devo avisar ao leitor que deseja conhecer mais desta história maravilhosa que eles são casais bem diferentes. 

Aliás toda a atmosfera desta obra de Elizabeth Gaskell é diferente do mundo criado por Jane Austen. Sim, temos orgulho e preconceito entre os personagens principais, mas nesse livro a história do casal se entrelaça com os movimentos sociais da época de uma maneira significativa e bela. Além disso, em termos de temperamento, eles se distinguem.

Mas o objetivo dessa resenha não é fazer uma comparação entre as duas obras ou eleger a melhor. Norte e Sul é uma história maravilhosa de crescimento pessoal, respeito, luta por direitos e compaixão. Ao mesmo tempo, temos uma discussão sobre a fé e a igreja, uma percepção mais crítica da relação homem e religião.

Na narrativa, Margaret Hale, ao retornar para sua amada casa no campo, ao sul da Inglaterra, após longos anos sob a tutela de sua tia em Londres, vê-se decepcionada ao ter que mudar-se com toda a família para o norte do país, morar numa cidade industrial completamente diferente de Helstone, seu lar. Milton é uma cidade sombria, que contém personagens mais sombrios e tristes do que a jovem já havia encontrado.

Nesse lugar vive o sr. John Thornton, poderoso industrial da região, respeitado por todos pela forma como conseguiu fortuna e administra seus negócios. Este senhor faz parte do grupo de pupilos que o pai de Margaret terá na cidade. O encontro entre os dois é primeiramente cordial, mas ao longo da história, percebemos que os temperamentos fortes desses dois personagens será sinônimo de divergências comportamentais, de ideologias e do que é o amor.

Primeiramente, deve-se ressaltar que a mudança de cidade da jovem decorre das decisões de seu pai. Pastor anglicano, o senhor vê-se numa crise de fé e não consegue mais seguir os preceitos da igreja a qual dedicou a maior parte de sua vida. Margaret fica abalada com isso e preocupa-se com o pai. Margaret, na realidade, é logo de início forçada pelas circunstâncias a ser o alicerce da família. O pai é um homem submisso e fraco em relação as decisões que precisam ser tomadas e a mãe é fraca e mimada. À Margaret sobra a organização da casa e da ordem familiar, justo agora em que suas condições econômicas são precárias.

Margaret é orgulhosa de tudo o que aprendeu na vida e possui uma foça de vontade que a torna uma verdadeira heroína. É justa, educada e honesta, mas tem uma série de preconceitos sociais que, ao longo da narrativa, vão sendo discutidos e encarados. Possui certo desprezo pela profissão dos negociantes, o que colabora para a tensão permanente que se mantém entre ela e o sr. Thornton.

Thornton é um homem duro e racional. Tivera um grande baque quando jovem ao ver-se no comando da família após a morte do pai irresponsável. Junto com sua mãe e irmã se mudaram para Milton muitos anos antes e fizeram fortuna com sua destreza para os negócios. Possui uma fábrica de algodão, atividades como magistrado na cidade e um amor pelos livros e pela filosofia clássica, algo que o aproxima do pai de Margaret.

O casal tem opiniões divergentes, mas cada um vê-se obrigado a perceber a relevância da opinião do outro. Isso é uma das coisas que mais gostei nessa história. Nenhum deles é submisso ou fácil de manipular. Margaret não é de modo algum uma mocinha indefesa e Thornton, apesar da aparência rude, não é nenhum troglodita ou estúpido. Eles conseguem conversar e, junto com eles, extraímos reflexões importantes sobre a mundo em que habitam.

Mas, em termos de força de caráter, sou mais fã de John do que de Margaret. É claro que existe muita coisa sobrecarregando a jovem, principalmente com as condições de saúde de sua mãe. Mas Thornton é mais sincero e honesto consigo mesmo e com o que sente do que ela. Ele se apaixona pela jovem mais cedo do que é retribuído, mas percebe que a personalidade e opinião dela nunca vão possibilitar que eles possam se entender. Fiquei muito feliz que isso vai se alterando com o tempo.

Torci o livro todo por John, não só em relação a mulher que ama, mas ao seu relacionamento familiar e a sua situação financeira, já que os trabalhadores de Milton se colocam de greve. Essa situação gera um mal-estar social, que acaba colocando em pauta na obra as divergências de opinião entre patrões e empregados, e a luta por melhores condições de vida. Margaret se aproxima muito da discussão exaltada sobre as greves, logo após fazer amizade com uma família trabalhadora da região.

Percebe-se no livro a preocupação da autora em mostrar ambos os lados desta crise, vendo-os não como grupos homogêneos, mas sim como um conjunto de indivíduos diferentes e que tem uma visão complexa do comércio e da indústria. É um retrato social das condições das fábricas e da vida dos trabalhadores e negociantes.

São tantos diálogos maravilhosos ao longo do livro que não tem como não se envolver com a história.

Recomendo! Recomendo! Recomendo!
Esse é um maravilhoso clássico histórico.

P.S.: A BBC fez uma minissérie da obra em 4 episódios. Maravilhoso! Olhem só!







Boa leitura!


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