Resenha: A Morte de Ivan Ilitch e Outras Histórias - Leon Tolstói


Olá, leitores.

Hoje trago para vocês um livro de um dos maiores expoentes da literatura russa, Leon Tolstói.


Eu já havia tentado me aventurar pela literatura russa há alguns anos, quando comecei a leitura de Os Irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski. Porém não cheguei a terminar a obra. Fiquei um pouco esgotada e decepcionada com o que li. Mas acredito que foi porque tinha uma expectativa e uma imagem muito rígida do que era um livro e personagens russos. 

Mas resolvi não me abater com isso, e procurar novamente enveredar pela cultura russa através de suas obras literárias. Então, quando adquiri essa obra de Tolstói, composta por três novelas curtas do autor, dentre elas a famosa A Morte de Ivan Ilitch, achei que tinha chegado o livro para eu começar minha jornada.

E gostaria de dizer que estou muito feliz com a leitura.


Apesar de serem novelas curtas, elas possuem uma forte carga emocional e filosófica. Não quero dizer com isso que elas são difíceis de ler ou que são acadêmicas. Elas são filosóficas por falarem da natureza humana através de exemplos, personagens e histórias que poderíamos facilmente identificar no nosso dia-a-dia.

Elas nos fazem se sentir familiares com os personagens e, através disso, refletir sobre a sociedade em que vivemos. Apesar de escritas há mais de um século - Tolstói faleceu em 1910 -, elas ainda são muito atuais.

Vamos há um breve resumo e impressões sobre cada novela.


A Morte de Ivan Ilitch - Essa foi a primeira obra da qual ouvi falar de Tolstói. E é a novela que abre o livro. 

Temos o jovem Ivan Ilitch, como qualquer jovem ambicioso, tentando se sobressair na sociedade em que vive. Ela acaba escolhendo uma mulher que compartilhe dessa ambição e os dois, mesmo infelizes com a convivência diária - não estão apaixonados -, permanecem juntos, tem filhos e acabam conseguindo adquirir alguma riqueza.

Porém Ivan acaba adquirindo uma doença. De início o incômodo é ignorado. Até que a dor toma de conta e os médicos, que não conseguem realmente identificar o que ele tem, sempre o medicam e dizem que ele vai melhorar. Mas como o próprio título diz, Ivan morre.

O mais interessante dessa história é que a morte de Ivan não é o ato final de morrer. É um processo mais longo, penoso não só física, mas emocionalmente. E principalmente emocionalmente. Ivan começa a pensar na própria vida e a ver como as pessoas realmente não se importam com ele. Como ele construiu uma existência vazia de sentido e de verdadeiros amigos. As pessoas o visitam, perguntam como ele está, mas na realidade não querem realmente saber dele.

A morte iminente de Ivan - que todos tentam ignorar na presença dele, mesmo ele e eles tendo certeza da mesma - não suscita em nenhum deles a lembrança da finitude do ser humano, mas sim a alegria de que isso não é com eles, é com outrem.

Foi algo tão simples e, ao mesmo tempo, tão profundo ver Ivan ciente de sua própria morte, mas com raiva, não de morrer, mas da irrelevância de sua vida para as pessoas para as quais ele se considerava importante, que eu fiquei pensando em todas as pessoas idosas, doentes, hospitalizadas da nossa sociedade. E também em como a morte virou algo banal hoje em dia, mas ainda assim não a vemos como algo que pode realmente acontecer conosco a qualquer momento. 

Sonata à Kreuter - aqui temos a história de um homem contando à um completo estranho, como o amor destruiu sua vida e é nocivo para a sociedade - ele matou a esposa. Aqui ele fala não de um amor romântico, mas sim da luxúria e do desejo, e de como a sociedade impõe isso às pessoas, que acabam se enveredando pela dor de "amar".

O sofrimento do personagem é patente em todo o momento, assim como a vergonha que tem de si, não só pelo assassinato da esposa - motivado por ciúmes -, mas também de toda a vida que levava e de como essa vida contribuiu para a desgraça que se abateu sobre ele.

Diferente de Ivan Ilitch, este personagem se casou pela ideia de estar apaixonado. Pela ideia da pureza da esposa; da vida honesta e digna que teria com ela; da sua importância social por ser casado. Mas todos os ideais de casamento dele caem por terra ainda na lua de mel, quando ele percebe que, apesar da luxúria, não suporta a esposa. E, com o tempo, ele começa a perceber como o ciúme dela e dele, as brigas, a maternidade e a paternidade não contribuíram para salvar a relação do casal, e como o engodo do relacionamento deles os fez inimigos.

O retrato de um casamento malfadado desde o início não pela falta de amor do casal, mas por nenhum dos dois se esforçar para amar, ser gentil, respeitoso um com o outro, e usarem seu dinheiro (ele) e seu corpo (ela) como armas no relacionamento. Foi impressionante, real e perturbador essa relação, e instigante a forma como o autor critica ativamente o ideal do casamento, o ideal da mulher e do que é ser homem na sociedade onde vive.

O Padre Sêrgui - aqui acompanhamos a história de um jovem e bem sucedido príncipe russo, com uma brilhante carreira militar pela frente, uma noiva jovem, bela e pura, e como ele abandona tudo isso para se tornar um frade. O padre Sêrgui teve uma decepção com sua noiva, que afrontou mais seu orgulho do que seu amor por ela. Acostumado a sempre se esforçar para se sobressair sobre tudo e todos, em quaisquer situações, o golpe foi demais para o ego dele. 

Decidindo adquirir uma vida mais religiosa, que o fizesse se sobressair sobre a sociedade vulgar e inescrupulosa na qual vivia, ele é admitido num monastério e dá início há uma vida religiosa repleta de questionamentos pessoais sobre Deus, fé e religião, enquanto cresce na popularidade, chegando a ser considerado um santo pela população.

Padre Sêrgui quer conhecer a Deus. Atingir o ápice de sua fé, mas está preocupado com a sua própria ambição. Sua obediência as normas da igreja e do que esperam de um homem santo, escondem profundamente sua raiva perante o elitismo, ao mesmo tempo em que se sente exultante por ser reconhecido como um dos melhores. 

Ele tem raiva de si mesmo por ceder as tentações de sua ambição. Vive tentando se provar, mais para si e para os outros do que para Deus. Ele mesmo chega a duvidar da existência Dele. O que torna este um dos melhores personagens que já li. Ele sofre com sua própria busca por ser o melhor e com que os outros pensam dele. Depois de anos sofrendo com isso, se martirizando, e sendo alvo de tantos fiéis e tentações, ele encontra a resposta para o seu tormento. Ele não precisa agradar ninguém. Ele não precisa ser importante e ter uma posição mais elevada que ninguém. Simples, mas tão difícil.


Essa três histórias são fortes e nos fazem refletir sobre a vida que levamos e ao que damos importância. Apesar de terem sido escritas há muito tempo, elas são atuais a sua maneira e importantes de serem conhecidas.

Recomendo. Boas Leituras!

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